A ODISSÉIA DE RITA.

 

” O sertanejo é, antes de tudo, um forte.”

Euclides da Cunha

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Nascida na cidade de Soledade, no interior do estado da Paraíba, Rita de Cássia da Anunciação. Veio para o Rio de Janeiro em busca de uma vida melhor. Seguindo os passos de sua irmã que anos antes havia feito o mesmo.  Chegou à rodoviária com uma mala, com sonhos, alguns trocados e um endereço. Trazia junto, no seu interior, a vontade de trabalhar. Ter casa, família e filhos, era a sua razão de encarar tamanha odisseia. Na rodoviária após quatro dias de viagem, perguntou a todos que encontrava, como chegar ao endereço escrito em um pedaço de papel. Depois de muito perguntar uma alma caridosa a colocou no ônibus que a deixaria em seu destino. No lugar onde moro, Rita, cansada subiu o morro até a casa anotada no pedaço de papel. Por sorte,  as pessoas que ali moravam eram gente de bom coração.  Ajudaram- na a conseguir seu primeiro emprego de diarista, em uma casa na zona sul. Com muito esforço e pouco estudo,  conseguiu comprar sua primeira casa (um barraquinho de tábua, mas, com que quintal) logo,  conheceu seu primeiro namorado carioca.  E de um romance  rápido e forte como as torrenciais chuvas do verão do Rio,  ele terminou. Todavia, o romance rápido como as chuvas de verão deixou para trás seus efeitos, um filho. Como o famoso dito popular “Quando a barriga cresce, o amor desaparece”  Rita, agora, mãe solteira deu a luz a Rodrigo da Anunciação. Na certidão, o estigma, “pai desconhecido”. Rita tem agora mais um motivo para lutar. Juntando dinheiro comprou material de construção, chamou um pedreiro do lugar para construir seu pequeno castelo. Wilson um rosto conhecido do lugar, fez além da meia-água (casas de apenas um quarto, sala, cozinha e banheiro) um abrigo no coração de Rita.  Assim uma família teve início,  novos filhos, novos desafios.  Porém,  não estava mais sozinha, havia construído algo que fazia parte do seu sonho, uma família.

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Com o passar do tempo, as coisas vão sofrendo transformações. Rodrigo, agora um adolescente, bom menino, cuida dos irmãos mais novos enquanto seus pais trabalham. Bom aluno, sempre a procurando por cursos para melhorar as suas oportunidades no mercado de trabalho, e assim, ajudar os pais. Como falei,  as transformações estão em andamento. E o lugar também,  está passando por mudanças. O asfalto e esgoto chegaram ao morro, junto dele,  novos personagens. Personagens estes com um poder de mudança, que está fora da compreensão de alguns, e causa espanto, temor, desconforto e medo. Junto com esse medo, a curiosidade de alguns, principalmente dos mais jovens. Um novo poder, agora,  domina o lugar.  Esse poder causa certo fascínio, contaminando mais facilmente, crianças e adolescentes. Alguns amigos de Rodrigo agora tem novos amigos. Que pouco a pouco, vão se envolvendo sem perceber, em uma espécie teia, que vai dragando as mentes menos atentas as armadilhas deste jogo. Aos poucos, quase sem querer, Rodrigo já tem novos amigos,  e agora é chamado pela alcunha de “Duplex”.

Coé Duplex!  Brota aí no portão.
Gritava da rua, um de seus antigos amigos, agora muito mais enroscado com os novos amigos. Os meninos.
Chega aí mano, fica aqui cum nós, só vive trancado em casa.  Tu é prisioneiro ou maluco?

Se liga neguim,  a mãe do Duplex num que ele cum nós não!  Nós num é companhia pra ele não.

Dizia Ricardinho, um amigo antigo de Rodrigo.

Rodrigo,  que já escutara o sermão diário de sua mãe, hoje decidiu fazer diferente. Foi para rua. Querendo ou não, o fato de estar no seu portão, já o comprometia. O ponto dos “meninos” fica em frente ao seu portão. Aos olhos de quem passava Rodrigo agora já estava envolvido. E essa “amizade,” já causava brigas entre Rita e Wilson.

-Já te avisei Rita, tem que botar esse garoto para trabalhar, tirar ele desse morro… “mente vazia é oficina do Diabo”. Ele já fez dezoito anos!
-Estou procurando homem de Deus!  Não está fácil arrumar emprego sem ter experiência.

-Estou avisando,  o morro todo só fala das amizades do Rodrigo. “quem se mistura com porco, farelo come.”

As brigas constantes com o marido, só pioravam o desespero de Rita. Enquanto Rodrigo, agora Duplex,  não entendia a preocupação dos pais. Afinal, os “meninos” são seus amigos.  Em um dia como outro qualquer após subir e o morro de moto (coisa que aprendeu com os meninos), Ricardinho lhe faz um ma proposta.

Coé Duplex bora buscar uma moto pra nós?

-Como assim, buscar uma moto?

Perguntou Rodrigo, com um tom de espanto.

Ué? Tu num tá gostano de tirar onda no morro de moto? Então, vamo puxar umas na pista. Uma fica pra tu e a outra nós vende pros parceiro. Vamo ficar de patrão ta ligando? As novinha perde pa nós de moto.

-Eu tenho medo Ricardinho, e se a policia pegar? Sabe que eles não perdoam 157 (artigo do código penal, para roubo a mão armada). E tem mais,como vou explicar pra minha mãe uma moto? Aonde vamos arrumar um ferro?

-Se liga doidão, o ferro eu pego na boca, o Barbantim é meu parceiro, já falou que se precisar ele deixa na minha posse, a moto tu guarda no meu quintal, ta tudo no esquema, tá com medim?

Após o convite, feito de forma tão direta diante dos amigos e dos “meninos”, Rodrigo não conseguiu recusar, ou resistir. Naquele momento, ao aceitar o convite, o Rodrigo filho da Rita desaparece, em seu lugar, nasce de vez, Duplex.

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Ricardinho chega com uma moto, na cintura, uma pistola automática não conseguia permanecer escondida. Duplex sobe na garupa da moto, e juntos descem o morro, agora é tudo ou nada.

Depois de rodar por alguns minutos em uma estrada muito conhecida por eles, sua busca por uma vítima teve sucesso. um rapaz de uns vinte cinco anos, seria a bola da vez,duplex tremia. A mistura de nervosismo e medo, a adrenalina correndo no seu corpo, uma mistura muito perigosa estava pronta. Dois moleques nervosos,uma arma e nada a perder.

Perdeu!Perdeu! Desce da moto otário, não treme não se não te mato playboy!

Gritou Ricardinho com a arma apontada para o rapaz.

O Rapaz, sem entender direito o que dois garotos franzinos, estão fazendo com uma pistola na mão no meio de uma estrada tão movimentada, desce da moto. Rapidamente Duplex assume a direção da moto do rapaz. Ricardinho acelera sua moto e sai na frente,logo atrás, muito atrapalhado com uma moto enorme Duplex tenta acompanhar seu parceiro.Porém logo em seguida, surge um carro da polícia com a sirene ligada,Duplex se desespera e cai com moto e tudo.Quando abre os olhos,e começa a recuperar aos poucos a noção dos acontecimentos,é surpreendido por uma bota preta que apertava o seu peito,na sua testa,agora, um bico de um fuzil fazia seu sangue gelar.

-Vai morrer moleque, você gosta de roubar? No meu plantão ladrão não se cria. Acredita em Deus? Começa a rezar maluco, vou promover o teu encontro com o criador.

Dizia um dos policiais, enquanto  outro tirava a moto do meio da rua, neste meio tempo, chega à cena, o rapaz dono da moto.

-É esse moleque aqui que te roubou?

Perguntou o policial.

-Foi sim, mas esse ai não tinha arma.

O som da arma sendo engatilhada trouxe a sua mente a imagem de sua mãe, ele então começou a chorar desesperadamente, e a pedir pra não morrer.

Num me mata não doutor, num vou fazer mais não, foi à primeira vez, me libera nun faço mais não.

Mas o choro de Duplex não comoveu o PM. Sua sentença já havia sido determinada. Com o pé no seu peito e o bico do fuzil na sua cabeça, diante dele estava o representante do estado. Juiz, júri e executor reunidos em uma única pessoa. Porém o rapaz percebendo o que estava por acontecer interviu.

-O que você vai fazer? Eu o quero na delegacia. Não quero o sangue dele na minha consciência. Já recuperei a moto,quero fazer o boletim de ocorrência.

-Mas ele é ladrão, se eu levar pra delegacia vai me dar muito trabalho, depois ele volta pra rua pra roubar outra vez!

Contestou o policial. Mas o rapaz estava irredutível e foram todos juntos pra delegacia, no caminho, Duplex algemado foi recebendo o tratamento dado a quase todos que entram algemados, no “Camburão”.

No morro já era madrugada. Rita preocupada com Rodrigo decide ir atrás do filho. vai de esquina em esquina perguntando a todos que encontra até que um “menino” lhe diz

Aí tia pergunta pro Ricardinho que ele deve saber.

Ela agradece e vai até a casa do Ricardo, chegando lá, após muito gritar Ricardo chega ao portão.

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Fala tia Rita.

-Cadê o Rodrigo? Onde tu levou meu filho? Cadê o meu filho Ricardo?

Do outro lado da rua um dos “meninos” gritou.

Koé maluco responde logo pa tia. Fala pa ela que tu levou o Duplex pra robar na pista. Fala logo que o muleque rodou.

Ricardo então falou.

-foi mau tia, mas o Rodrigo deve ta lá na 39 DP.

Desesperada, Rita parte para delegacia. Quando chega já está amanhecendo, depois de muito insistir, consegue a informação que precisava.

-Bom dia senhora, seu filho foi preso em flagrante e vai ser transferido para o presídio, acho melhor à senhora conseguir um advogado.

Rita, sem poder nem ver o filho, volta pra casa.

E começa outra odisseia. libertar Rodrigo da prisão. Vendeu uma parte do seu terreno, pegou empréstimo no banco, raspou todas as economias que tinha. Conseguiu um advogado, que aceitou pegar o caso e dividiu seus honorários em parcelas. Depois de um mês conseguiu pela primeira vez visitar seu filho. Bem mais magro Rodrigo chorou nos braços da mãe, e fez muitas promessas de que não iria repetir o mesmo erro. Após nove meses preso, no julgamento, a vítima não apareceu. Rodrigo saiu do presídio, e já em casa, permaneceu quieto por umas semanas, quando andava pelo morro era saudado pelos “meninos”. Em um dos muros do lugar, podia ver escrito “liberdade pro mano Duplex”, isso acariciava o seu ego, algo acontecera com ele no presídio, já não era o mesmo menino.

Hoje eu cheguei tarde em casa, devido ao horário, decidi fazer um caminho diferente. Queria chegar logo em casa, estava distraído em meus pensamentos, quando sou cumprimentado.

-Boa noite, caminho diferente hoje?

-Boa noite meu filho! Estou com pressa, fica na paz.

Atrás de um poste, no escuro, Duplex segurava um Fuzil.

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Obs: Todas as crônicas postadas neste blog são fatos reais, nos quais eu presenciei, ou provém de relatos fornecidos por moradores. Também, algumas vezes, até publicados nos veículos de comunicação.Os nomes dos personagens são sempre fictícios e as imagens ilustrativas são obtidas na internet.

 

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