O PLANTÃO
“Opção não é?”. O que oferece? oferece trabalhar oito horas por dia e ganhar cento e doze dólares por mês. Qual é a opção que ele tem?
Se conseguir o emprego… Se eu me encaixo no tráfico ganho trezentos e vinte por semana. É negócio? É negócio pra qualquer um
Só não é negócio para quem nunca passou fome. para o miserável é negócio.Aí o pessoal vai fazer fila pra querer trabalhar,”
“Não é opção é emprego”
Hélio luz (Ex Deputado estadual e delegado aposentado)
Após assistir seu desenho animado preferido, em sua nova TV “fininha”, comendo um pacote de fofura (esse é o seu jantar). Gabriel procura saber da hora. Ele não pode chegar atrasado ao seu posto. Seu patrão é exigente, e pune de forma exemplar aqueles que se atrasam.
No lugar onde moro, agora existem novas modalidades de trabalho. Os “meninos”, agora, já estão estabelecidos e arregimentam novos funcionários. Essa” empresa” é tão organizada que tem, inclusive, plano de carreira. Eles não têm problema com o emprego de mão de obra infantil. Aliás, esse é o seu público alvo. Gabriel que recentemente completou treze anos, em menos de três meses já foi promovido. Foi de “atividade” (uma espécie de vigia, que de posse de um rádio transmissor avisa se a polícia ou inimigos se aproximam), agora é “vapor” (responsável por vender a mercadoria). E logo a tranquilidade de Gabriel é interrompida.
–Coé Prestação! Prestação é teu plantão maluco, vambora!
Dentro do seu castelo de madeira, Gabriel, distribui entre seus dois irmãos o que sobrou do pacote de biscoito. Essa provavelmente será a única refeição das crianças. Sua mãe há essa hora, deve estar na porta de alguma birosca do morro. Gabriel então responde.
–Já vou, pera aí maluco!
–Tu sabe que o patrão num gosta de atraso
–To saindo, vô pegar meu boné.
Depois de colocar seu boné, beija os irmãos, e sai porta afora. Pega então com Mortadela, o produto que vai vender durante a madrugada.
–Confere direitim, pá nun fica de caô.
–Tá certo doido, se liga na minha não, ta suave.
–Então corre que o teu ponto é longe, se adianta logo maluco.
Agora, de posse do material acelera o passo. A chuva fina dificulta a visão, mas não é o bastante para minar sua vontade de chegar ao seu destino. Seu posto fica em uma área complicada. É muito próximo da fronteira imaginária da facção rival, não é incomum acontecer algum confronto. Porem, ele confia no seu patrão, acredita que se mostrar um bom serviço, em breve terá outra promoção. Quem sabe, até ser soldado, portar um bico (Fuzil) e tirar onda no morro. Chegar ao baile de “patrão”, fuzil trançado, uma moto, pegar várias novinha. Assim quem sabe, fazer obra em casa, comprar uma cama bem grande. Parar de dividir o chão com seus irmãos, a friagem sempre deixava um doente. Ratos e baratas acabavam sempre entre as cobertas. Esses pensamentos ajudavam a acreditar que valia a pena o risco que corria. Perguntava-se por onde andaria seu pai, não podia perguntar a sua mãe. Da ultima vez que perguntou sobre seu coroa, sua mãe lhe retribuiu a pergunta, com um tapa no rosto.com o a lembrança do tapa, ele chega ao seu posto, e sua chegada é saudada pelo amigo que iria substituir.
–Fala aí Prestação, chegou na hora neguim, hoje o movimento tá fraco.
–Fala tu Ratim, mete o pé que agora o bagulho vai ficar bom, eu tenho sorte! Vai brotar viciado do chão, hoje eu vou fazer um dinheiro.
–Que nada neguim, tem viciado não, segura tua onda hein, plantão na chuva é foda. Fica esperto!
Ratinho se afasta, e some no meio da escuridão. Apesar do tempo, aos poucos um ou outro viciado vão aparecendo, enquanto vai cumprindo seu plantão vai observando os moradores. Muitos ainda estão chegando do trabalho, repara no semblante abatido de alguns. Senhoras de idade arrastam pesadas bolsas de compra, alguns homens alcoolizados vão cambaleando pela rua, muitas faces de um mesmo lugar. A chuva continua, um homem se aproxima e lhe entrega um panfleto e diz:
-Jesus te ama meu filho, sai dessa vida, vai lá na minha igreja.
–Vou sim tio, faz uma oração La por mim.
-Sempre oro pela sua vida Gabriel, fica na paz.
O crente também vai seguindo seu caminho. Prestação vai acompanhando o caminhar do homem, quando é surpreendido.
–Coé neguim, tem bagulho aí?
Perguntou um garoto franzino, que devia ter um pouco mais de 16 anos.
–Claro que tem! Qué quanto?
–Me dá dois de dez!
Prestação abaixa para abrir a mochila e pegar o produto, de repente sente um frio na espinha e um estampido corta o silêncio. Prestação cai, leva as mãos até a barriga, e o sangue jorra ensopando sua camisa. Deitado no chão vê agora,o cara com uma pistola na mão pegar sua mochila, e sair apressado. O sangue não para de jorrar, pensa na sua mãe, onde ela está? Vai perdendo os sentidos, já não consegue abrir os olhos. Sente alguém pegar sua mão, pela voz ele identifica o crente, e pede:
–Ora por mim, pede pra Deus me curar, não quero morrer, ora por mim.
Segurando a mão de Gabriel, o crente vai recitando um salmo da bíblia, em meio às palavras do crente, e sob os olhares dos curiosos que vão chegando, a vida de Gabriel vai se esvaindo, no chão, o sangue vai se misturando com a chuva, a voz do crente vai ficando distante. Prestação que nasceu Gabriel agora relaxa e vai ouvindo as palavras do crente que ainda segura sua mão, “Levanto meus olhos para o monte e pergunto: De onde vem o meu socorro?”. Hoje, pela manhã, no caminho do trabalho encontro o dono do bar, ele estava recolhendo doações para ajudar no enterro do Gabriel. Depois de ouvir rapidamente do ocorrido faço minha contribuição. Passo pelo local do ocorrido, no ponto, o chão ainda marcado com o sangue de Gabriel, agora tem outro menino.
Obs: Todas as crônicas postadas neste blog são fatos reais, nos quais eu presenciei, ou provém de relatos fornecidos por moradores. Também, algumas vezes, até publicados nos veículos de comunicação.Os nomes dos personagens são sempre fictícios e as imagens ilustrativas são obtidas na internet.